perceber o movimento permanente, as forças que nascem profundas, os ciclos da natureza, o poder do silêncio, aquilo que vivifica, a vida das águas, força e brandura, o murmúrio, chegar e partir, a escuta do que pulsa.
O projeto aborda a questão da impermanência nos grandes ciclos da natureza através da imagem xilogravada da água, transformada pelas diferentes impressões e videoprojeções, buscando despertar os sentidos para os processos internos da natureza que interferem e sofrem interferência do Homem e para o Tempo que rege e se manifesta nesses processos. Além do claro viés ambiental e existencial, o projeto busca ampliar a apreciação e reflexão da Gravura Contemporânea, revelando seu aspecto mutante, a partir de elementos como escala, difusão, diálogo entre tecnologias modernas e tradicionais, ocupação de espaço, relação entre fotografia e gravura, memória. O projeto ainda explora as possibilidades de interação entre música, vídeo e imagem impressa e experimenta as possibilidades de interferência mutua visitante-obra. Para isso, gerou pesquisa multidisciplinar e criação de obras musicais, de vídeo, gravura e sistema de interfaces a partir da colaboração de músicos, artistas e estudantes. O projeto também discute as possibilidades de circulação e fruição da obra de arte em diferentes contextos e formatos, a partir de um conjunto de ações que aproximam diferentes equipamentos de cultura da cidade.
A necessidade de se trabalhar na construção de referências simbólicas, significativas, que requalifiquem a relação que o homem tem com a própria existência e com aquilo que considera natureza, favorecendo um estado de percepção mais fina, parece ser de suma importância em tempos de fragmentação, coisificação e perda de sentido de si e do outro. O papel que a obra de arte pode assumir na preparação das novas gerações, criando esse espaço para experiências significativas, religadoras, pode vir a produzir uma impregnação sutil, mas perene em nosso contexto socio-cultural, transformando-o.
Projeção de vídeo sobre xilogravura. 290 x 394 cm. 2016. Parte da instalação maré.02
A primeira proposta relacionada à maré começou em uma residência artística realizada por Ernesto Bonato no Instituto de Artes da Unicamp, entre agosto de 2011 e julho de 2012. A principal atividade foi a elaboração de uma grande xilogravura sobre a imagem da água, executada pelo artista e por estudantes. Parte do resultado dessa experiência foi exibido na Galeria do Instituto de Arte da Unicamp e na Estação Pinacoteca de São Paulo, em 2012. Após o encerramento da residência o projeto foi ampliado, visando a interação de diferentes linguagens artísticas e criadores, mantendo ainda o compromisso com a formação de estudantes de artes. A resultante é o projeto maré.02, uma instalação constituída por várias xilogravuras de grandes dimensões, matrizes de madeira, cartazes, projeção de vídeo e música, composta para a instalação pelo Âmago Trio, além de ações educativas e intervenções urbanas em parceria com o Xilomóvel Ateliê Itinerante e 03 espaços institucionais de Campinas (MACC, Estação Cultura, Instituto de Artes da UNICAMP).
O conjunto de realizações que denominamos maré.02 recebeu apoio do Programa de incentivo à Cultura do Estado de São Paulo (PROAC) e da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.
Muito antes disso, no entanto, em 2000, durante temporada de residência artística no Atelier Presse Papier, na cidade de Trois-Rivières, em Quebec, ocorreu o primeiro insight que serviria de base para todos os trabalhos posteriores relacionados à água, através de algumas ações que o artista realizou às margens do fleuve Saint Laurent, grande rio do Canadá. Este tema da água foi retomado em uma outra experiência marcante, em 2004, no trabalho Traversée, uma projeção digital feita na piscina da Casa Consular da França, em São Paulo e em 2006, com o início da série de xilogravuras denominada Deambulatório, ainda em curso. Mas também nos constantes visitas à Bacia do Macuco e porto de Santos, no litoral de São Paulo, para desenhar, de onde surgiram os projetos murais Canal, de 2002 e Santos, de 2006, além da grande xilogravura da lua, de 2000, retomada em 2007.
Algumas imagens desses trabalhos anteriores, podem ser vistas abaixo.